A importância da
família no processo de educar
A mim me dá pena e preocupação
quando convivo com famílias que experimentam a “tirania da liberdade” em que as
crianças podem tudo: gritam, riscam as paredes, ameaçam as visitas em face da
autoridade complacente dos pais que se pensam ainda campeões da liberdade.
(PAULO FREIRE, 2000: 29)

Nunca na escola se discutiu tanto
quanto hoje assuntos como falta de limites, desrespeito na sala de aula e
desmotivação dos alunos. Nunca se observou tantos professores cansados,
estressados e, muitas vezes, doentes física e mentalmente. Nunca os sentimentos
de impotência e frustração estiveram tão marcantemente presentes na vida
escolar.
Para Esteve (1999), toda essa situação
tem relação com uma acelerada mudança no contexto social. Segundo ele,
Nosso sistema educacional,
rapidamente massificado nas últimas décadas, ainda não dispõe de uma capacidade
de reação para atender às novas demandas sociais. Quando consegue atender a uma
exigência reivindicada imperativamente pela sociedade, o faz com tanta lentidão
que, então, as demandas sociais já são outras (1999: 13).
Por essa razão, dentro das
escolas as discussões que procuram compreender esse quadro tão complexo e, muitas
vezes, caótico, no qual a educação se encontra mergulhada, são cada vez mais
freqüentes. Professores debatem formas de tentar superar todas essas
dificuldades e conflitos, pois percebem que se nada for feito em breve não se
conseguirá mais ensinar e educar. Entretanto, observa-se que, até o momento,
essas discussões vêm sendo realizadas apenas dentro do âmbito da escola,
basicamente envolvendo direções, coordenações e grupos de professores. Em
outras palavras, a escola vem, gradativamente, assumindo a maior parte da
responsabilidade pelas situações de conflito que nela são observadas.
Assim, procura-se em novas
metodologias de trabalho, por exemplo, as soluções para esses problemas.
Computadores e programas de última geração, projetos multi e interdisciplinares
de todos os tipos e para todos os gostos, avaliações participativas, enfim uma
infinidade de propostas e atividades visando a, principalmente, atrair os
alunos para os bancos escolares. Não é mais suficiente a idéia de uma escola na
qual o individuo ingressa para aprender e conhecer. Agora a escola deve também
entreter.
No entanto, apesar das diferentes
metodologias hoje utilizadas, os problemas continuam, ou melhor, se agravam
cada vez mais, pois além do conhecimento em si estar sendo comprometido
irremediavelmente, os aspectos comportamentais não têm melhorado. Ao contrário.
Em sala de aula, a indisciplina e a falta de respeito só têm aumentado,
obrigando os professores a, muitas vezes, assumir atitudes autoritárias e
disciplinadoras. Para ensinar o mínimo, está sendo necessário, antes de tudo,
disciplinar, impor limites e, principalmente, dizer não.
A questão que se impõem é: até
quando a escola sozinha conseguirá levar adiante essa tarefa? Ou melhor, até
quando a escola vai continuar assumindo isoladamente a responsabilidade de
educar?
São questões que merecem, por
parte de todos os envolvidos, uma reflexão, não só mais profunda, mas também
mais crítica. É, portanto, necessário refletir sobre os papéis que devem
desempenhar nesse processo a escola e, conseqüentemente, os professores, mas
também não se pode continuar ignorando a importância fundamental da família na
formação e educação de crianças e adolescentes.
Voltando a analisar a sociedade
moderna, observa-se que uma das mudanças mais significativas é a forma como a
família atualmente se encontra estruturada. Aquela família tradicional,
constituída de pai, mãe e filhos tornou-se uma raridade. Atualmente, existem
famílias dentro de famílias. Com as separações e os novos casamentos, aquele núcleo
familiar mais tradicional tem dado lugar a diferentes famílias vivendo sob o
mesmo teto. Esses novos contextos familiares geram, muitas vezes, uma sensação
de insegurança e até mesmo de abandono, pois a idéia de um pai e de uma mãe
cuidadores dá lugar a diferentes pais e mães “gerenciadores” de filhos que nem
sempre são seus.
Além disso, essa mesma sociedade
tem exigido, por diferentes motivos, que pais e mães assumam posições cada vez
mais competitivas no mercado de trabalho. Então, enquanto que, antigamente, as
funções exercidas dentro da família eram bem definidas, hoje pai e mãe, além de
assumirem diferentes papéis, conforme as circunstâncias saem todos os dias para
suas atividades profissionais. Assim, observa-se que, em muitos casos, crianças
e adolescentes acabam ficando aos cuidados de parentes (avós, tios), estranhos
(empregados) ou das chamadas babás eletrônicas, como a TV e a Internet, vendo
seus pais somente à noite.
Toda essa situação acaba gerando
uma série de sentimentos conflitantes, não só entre pais e filhos, mas também
entre os próprios pais. E um dos sentimentos mais
comuns entre estes é o de culpa. É ela que, na maioria das vezes, impede
um pai ou uma mãe de dizer não às exigências de seus filhos. É ela que faz um
pai dar a seu filho tudo o que ele deseja, pensando que assim poderá compensar
a sua ausência. É a culpa que faz uma mãe não avaliar corretamente as atitudes
de seu filho, pois isso poderá significar que ela não esteve suficientemente
presente para corrigi-las.
Enfim, é a culpa de não estar
presente de forma efetiva e construtiva na vida de seus filhos que faz, muitas
vezes, um pai ou uma mãe ignorarem o que se passa com eles. Assim, muitos pais
e mães acabam tornando-se reféns de seus próprios filhos. Com receio de
contrariá-los, reforçam atitudes inadequadas e, com isso, prejudicam o seu
desenvolvimento, não só intelectual, mas também, mental e emocional.
Esses conflitos acabam
agravando-se quando a escola tenta intervir. Ocorre que muitos pais, por todos
os problemas já citados, delegam responsabilidades à escola, mas não aceitam
com tranqüilidade quando essa mesma escola exerce o papel que deveria ser
deles. Em outras palavras,
[...] os pais que não têm
condições emocionais de suportar a sua parcela de responsabilidade, ou culpa,
pelo mau rendimento escolar, ou algum transtorno de conduta do filho, farão de
tudo, para encontrar argumentos e pinçar fatos, a fim de imputar aos
professores que reprovaram o aluno, ou à escola como um todo, a total
responsabilidade pelo fracasso do filho (ZIMERMAN apud BOSSOLS, 2003: 14).
Assim, observa-se que, em muitos
casos a escola (e seus professores) acaba sendo sistematicamente desautorizada
quando, na tentativa de educar, procura estabelecer limites e
responsabilidades. O resultado desses sucessivos embates é que essas crianças e
adolescentes acabam tornando-se testemunhas de um absurdo e infrutífero
cabo-de-guerra, entre a sua escola e a sua família. E a situação pode assumir
uma maior complexidade porque, conforme também explica Zimerman, “o próprio
aluno, que não suporte reconhecer a responsabilidade por suas falhas, fará um
sutil jogo de intrigas que predisponha os pais contra os professores e a
escola” (apud BOSSOLS, 2003: 14).
Entretanto, é importante
compreender que, apesar de todas as situações aqui expostas, o objetivo não é o
de condenar ou julgar. Está-se apenas demonstrando que, ao longo dos anos,
gradativamente a família, por força das circunstâncias já descritas, tem
transferido para a escola a tarefa de formar e educar. Entretanto, essa
situação não mais se sustenta. É preciso trazer, o mais rápido possível, a
família para dentro da escola. É preciso que ela passe a colaborar de forma
mais efetiva com o processo de educar. É preciso, portanto, compartilhar
responsabilidades e não transferi-las.
É dentro desse espírito de
compartilhar que não se pode deixar de citar a iniciativa do MEC, que instituiu
a data de 24 de abril como o Dia Nacional da Família na Escola. Nesse dia,
todas as escolas são estimuladas a convidar os familiares dos alunos para
participar de suas atividades educativas, pois segundo declaração do
ex-Ministro da Educação Paulo Renato Souza "quando os pais se envolvem na
educação dos filhos, eles aprendem mais".
A família deve, portanto, se
esforçar em estar presente em todos os momentos da vida de seus filhos.
Presença que implica envolvimento, comprometimento e colaboração. Deve estar
atenta a dificuldades não só cognitivas, mas também comportamentais. Deve estar
pronta para intervir da melhor maneira possível, visando sempre o bem de seus
filhos, mesmo que isso signifique dizer sucessivos “nãos” às suas exigências.
Em outros termos, a família deve ser o espaço indispensável para garantir a
sobrevivência e a proteção integral dos filhos e demais membros,
independentemente do arranjo familiar ou da forma como se vêm estruturando
(KALOUSTIAN, 1988).
Educar, portanto, não é uma
tarefa fácil, exige muito esforço, paciência e tranqüilidade. Exige saber
ouvir, mas também fazer calar quando é preciso educar. O medo de magoar ou
decepcionar deve ser substituído pela certeza de que o amor também se demonstra
sendo firme no estabelecimento de limites e responsabilidades. Deve-se fazer
ver às crianças e jovens que direitos vêm acompanhados de deveres e para ser
respeitado, deve-se também respeitar.
No entanto, para não tornar essa
discussão por demais simplista, é importante, entender, que quando se trata de
educar não existem fórmulas ou receitas prontas, assim como não se encontra, em
lugar algum, soluções milagrosas para toda essa problemática. Como já foi dito,
educar não é uma tarefa fácil; ao contrário, é uma tarefa extremamente
complexa. E talvez o que esteja tornando toda essa situação ainda mais difícil
seja o fato de a sociedade moderna estar vivendo um momento de mudanças
extremamente significativas.
Segundo Paulo Freire: “A mudança
é uma constatação natural da cultura e da história. O que ocorre é que há
etapas, nas culturas, em que as mudanças se dão de maneira acelerada. É o que
se verifica hoje. As revoluções tecnológicas encurtam o tempo entre uma e outra
mudança” (2000: 30). Em outras palavras, está-se vivendo, em um pequeno
intervalo de tempo, um período de grandes transformações, muitas delas difíceis
de serem aceitas ou compreendidas. E dentro dessa conjuntura está a família e a
escola. Ambas tentando encontrar caminhos em meio a esse emaranhado de
escolhas, que esses novos contextos, sociais, econômicos e culturais, nos
impõem.
Para finalizar esse texto é importante
fazer algumas considerações que, se não trazem soluções definitivas, podem
apontar caminhos para futuras reflexões. Assim, é preciso compreender, por
exemplo, que no momento em que escola e família conseguirem estabelecer um
acordo na forma como irão educar suas crianças e adolescentes, muitos dos
conflitos hoje observados em sala de aula serão paulatinamente superados. No
entanto, para que isso possa ocorrer é necessário que a família realmente
participe da vida escolar de seus filhos. Pais e mães devem comparecer à escola
não apenas para entrega de avaliações ou quando a situação já estiver fora de
controle. O comparecimento e o envolvimento devem ser permanentes e, acima de
tudo, construtivos, para que a criança e o jovem possam se sentir amparados,
acolhidos e amados. E, do mesmo modo, deve-se lutar para que pais e escola
estejam em completa sintonia em suas atitudes, já que seus objetivos são os
mesmos. Devem, portanto, compartilhar de um mesmo ideal, pois só assim
realmente estarão formando e educando, superando conflitos e dificuldades que
tanto vêm angustiando os professores, como também pais e os próprios alunos.
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